Contos Embaralhados

terça-feira, 27 de setembro de 2011

♠ O Odiado - Eu estou no controle (Capítulo 3)


Na manhã seguinte ao acontecimento Madre Evarista reunia-se com o Conselho para discutir o tema. Ben ainda estava hospitalizado e ela desconfiava que Pietro tinha algo com isso.

— Lá vem a senhora de novo implicando com o garoto! – acusou Sr. Carvalho. Como de costume estavam sentados em volta de uma mesa redonda.
— Nós nem sabemos ao certo o que aconteceu com o Ben – completou o reverendo Azevedo.
A Madre Evarista ficou contrariada.
— Até quando os senhores vão acobertar esse louco! Ele é um belo lobo em pele de cordeiro.
— Como pode ter tanta certeza disso?
— A intuição me diz, reverendo – disse a madre, convicta – E ela nunca falhou.
— Falhou um ano atrás, quando você disse a mesma coisa – replicou reverendo Azevedo – Que Pietro não prestava.
— O menino só tem mostrado bons feitos – ajudou Sr. Carvalho – Até na briga com o Edgar ele tinha razão.
Diante deste quadro, Madre Evarista sentiu-se exatamente como a um ano, quando teve de admitir Pietro. Mas desta vez não cedeu:
— Acreditem em mim. Ele só está esperando a hora certa.


A enfermaria era um departamento relativamente grande – possuía alguns leitos e um outro laboratório para análises clínicas; um médico de plantão e duas enfermeiras, já que o movimento não era tão grande. No leito 23 estavam Ben, Nelly e Pietro. Ben continuava desmaiado, tomando soro, enquanto Nelly e Pietro estavam sentados num pequeno sofá que ficava ao lado da cama.
— Obrigado por vir, Nelly – disse Pietro, com a expressão triste.
— Que nada! Estou tão preocupada quanto você.
Os dois continuavam conversando até que já passava das 13:00h. Nelly acabou caindo no sono, enquanto Pietro começou a andar de um lado para o outro. Pensava na mensagem que recebera: “OS SANTOS PAGAM PELOS PECADORES”. Qual fora o seu erro? Brigar com Edgar? Sua linha de pensamento interrompeu-se com o chamado eufórico do Dr. Assis.
— Marques! No laboratório!
Pietro encaminhou-se até o laboratório de Análises Clínicas, que ficava perto do leito onde seu amigo estava. O Dr. Roberto de Assis era um jovem médico de apenas 29 anos e com a pele morena e olhos verdes. Sua expressão era séria e ao mesmo tempo preocupada. Sentado em um banco perto da impressora, esperou terminar a impressão e jogou o papel na banca, aguardando que o garoto chegasse.
— Oi doutor, já tem o resultado? – perguntou o garoto ingenuamente.
— Quero que se explique – disse o Dr. Assis, severamente, mostrando o resultado do exame.
Pietro olhou para o papel. Segundo o exame, Ben fora drogado com GHB.
— Boa noite cinderela! – disse o garoto, indignado – Como uma droga de festa vem parar num internato religioso?
Dr. Assis levantou-se.
— Você que deve me responder, monitor de química!
— Espera um pouco! – falou Pietro, ofendido – O senhor não está achando que eu droguei o meu melhor amigo!
— Não sei, Pietro. Acho que é o único aluno que tem o conhecimento necessário para fabricar esse tipo de droga.
O pior é que era verdade. O laboratório de química possuía todos os elementos precisos para tal procedimento.
— Aposto que o Edgar também sabe!
— Mas você é o responsável pelo laboratório. Desculpe-me.
O médico pegou seu celular e discou para a Direção do internato. Em poucos minutos chegou o inspetor Santos – um homem negro de trinta anos, conhecido pela sua severidade e competência.
— Marques, acompanhe-me.
— Mas doutor, eu posso explicar! – suplicou o jovem.
— Explique-se com a Madre Evarista – interrompeu o inspetor – Vamos!
O inspetor Santos encaminhou o garoto até a sala da Direção, onde a Madre estava sentada em sua tradicional cadeira, com sua tradicional expressão.
— Sinceramente, Pietro Marques – a diretora começou a falar, com sua voz séria – Eu não sei mais o que fazer com você.
Pietro sentou-se na cadeira e começou a escutar atentamente. Madre Evarista levantou-se para reclamar.
— Desde o primeiro momento em que vi sai ficha, quando soube de seu passado, percebi que não prestava. Entendi que um garoto que conviveu com o crime e a loucura não poderia ser boa pessoa. Sabia que você poderia usar toda sua genialidade para cometer delitos. Olhe só, Marques – ela voltou a sentar-se e sua expressão ficou mais triste – Acredito em Deus, por isso acredito em segunda chance e perdão. Mas você só me dá motivos para desacreditá-lo. Mexer com drogas?
Pietro, estático, fitava a janela. Não disse uma palavra. Não conseguia – seus olhos começaram a arder e ele sentiu uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
— Eu... – tentou dizer, sendo abafado pelo choro – Eu...
Ele começou a chorar desesperadamente. Entre soluços e lágrimas e não conseguia dizer uma só palavra.
— Desculpe-me, Pietro – a diretora comoveu-se, tocando sua mão no ombro da estudante – Não deveria ter falado sobre sua família. Devem ter sido momentos difíceis. Pode retirar-se ao Quatro do Controle.
— Não sei o quê pensar, sinceramente. Não vou tirar-lhe nada, mas peço que recolha-se até o Quarto do Controle. Acho que precisa encontrar-se espiritualmente. Há muitas perguntas sem respostas.
O estudante, indignado por dentro, preferiu não falar mais nada e mostrar-se educado.
— O que move o mundo são perguntas, madre – Pietro bateu a porta com tal força que deixou o inspetor Santos assustado. O inspetor que estava no corredor, esperou o garoto sair para falar com sua superiora.
— E então? – perguntou ele, querendo saber da situação.
— Esse garoto me intriga – disse a madre, sem mais palavras.
O Quarto do Controle situava-se num pavilhão isolado do resto do internato e um aluno era mandando pra lá quando estava “fora de controle”. Comportamentos ilícitos e nocivos para a integridade do próprio internato fazia com que um aluno fosse mandado para o quarto. Sua aparência era sombria e medonha – a pouca iluminação do local dava um ar aterrorizante.
— Isso parece mais de louco! – resmungou Pietro ao chegar ao local. As paredes eram totalmente brancas, cama branca e sem televisão. Possuía um pequeno banheiro que era cercado por espelho e uma pequena cômoda onde o garoto pôs suas roupas – Talvez a intenção seja essa.
Já anoitecera e Pietro decidiu ir ao laboratório iniciar seu projeto e conseguir algo a respeito do GHB. Após o banho, ele pegou o seu jaleco e encaminhou-se pelos corredores desertos e escuros. O QC ficava longe de tudo. No meio do caminho, os alarmes começaram e tocar. O alvoroço tomou o colégio.
— O que aconteceu aqui? — perguntou Pietro ao Inspetor Santos, que corria em direção aos dormitórios.
— Fique onde está, Marques! — gritou o inspetor, enfurecido — Já para o quarto.
Pietro não obedeceu. Seguiu o inspetor discretamente.
Ao chegar ao dormitório masculino, o tumulto era notável. Tudo centrava-se quarto 221.
— Ben! – gritou o garoto correndo em direção à multidão de estudantes aflitos. Foi quando um policia lhe parou.
— Proibido a entrada, garoto! – falou o policial, firmemente — Ocorreu um homicídio e estamos aguardando a perícia finalizar. É o dono do quarto?
— Sim, meu nome é Pietro Marques. Dividia o quarto com um amigo – respondeu, aflito – A propósito, qual o nome da vítima?
O policial olhou o seu bloco de anotações e afirmou categoricamente.
— Benjamim Santos Alencar.


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