Na
manhã seguinte ao acontecimento Madre Evarista reunia-se com o Conselho para
discutir o tema. Ben ainda estava hospitalizado e ela desconfiava que Pietro
tinha algo com isso.
—
Lá vem a senhora de novo implicando com o garoto! – acusou Sr. Carvalho. Como
de costume estavam sentados em volta de uma mesa redonda.
—
Nós nem sabemos ao certo o que aconteceu com o Ben – completou o reverendo
Azevedo.
A
Madre Evarista ficou contrariada.
—
Até quando os senhores vão acobertar esse louco! Ele é um belo lobo em pele de
cordeiro.
—
Como pode ter tanta certeza disso?
—
A intuição me diz, reverendo – disse a madre, convicta – E ela nunca falhou.
—
Falhou um ano atrás, quando você disse a mesma coisa – replicou reverendo
Azevedo – Que Pietro não prestava.
—
O menino só tem mostrado bons feitos – ajudou Sr. Carvalho – Até na briga com o
Edgar ele tinha razão.
Diante
deste quadro, Madre Evarista sentiu-se exatamente como a um ano, quando teve de
admitir Pietro. Mas desta vez não cedeu:
—
Acreditem em mim. Ele só está esperando a hora certa.
A
enfermaria era um departamento relativamente grande – possuía alguns leitos e
um outro laboratório para análises clínicas; um médico de plantão e duas
enfermeiras, já que o movimento não era tão grande. No leito 23 estavam Ben,
Nelly e Pietro. Ben continuava desmaiado, tomando soro, enquanto Nelly e Pietro
estavam sentados num pequeno sofá que ficava ao lado da cama.
—
Obrigado por vir, Nelly – disse Pietro, com a expressão triste.
—
Que nada! Estou tão preocupada quanto você.
Os
dois continuavam conversando até que já passava das 13:00h. Nelly acabou caindo
no sono, enquanto Pietro começou a andar de um lado para o outro. Pensava na
mensagem que recebera: “OS SANTOS PAGAM PELOS PECADORES”. Qual fora o seu erro?
Brigar com Edgar? Sua linha de pensamento interrompeu-se com o chamado eufórico
do Dr. Assis.
—
Marques! No laboratório!
Pietro
encaminhou-se até o laboratório de Análises Clínicas, que ficava perto do leito
onde seu amigo estava. O Dr. Roberto de Assis era um jovem médico de apenas 29
anos e com a pele morena e olhos verdes. Sua expressão era séria e ao mesmo
tempo preocupada. Sentado em um banco perto da impressora, esperou terminar a
impressão e jogou o papel na banca, aguardando que o garoto chegasse.
—
Oi doutor, já tem o resultado? – perguntou o garoto ingenuamente.
—
Quero que se explique – disse o Dr. Assis, severamente, mostrando o resultado
do exame.
Pietro
olhou para o papel. Segundo o exame, Ben fora drogado com GHB.
—
Boa noite cinderela! – disse o garoto, indignado – Como uma droga de festa vem
parar num internato religioso?
Dr.
Assis levantou-se.
—
Você que deve me responder, monitor de química!
—
Espera um pouco! – falou Pietro, ofendido – O senhor não está achando que eu
droguei o meu melhor amigo!
—
Não sei, Pietro. Acho que é o único aluno que tem o conhecimento necessário
para fabricar esse tipo de droga.
O
pior é que era verdade. O laboratório de química possuía todos os elementos
precisos para tal procedimento.
—
Aposto que o Edgar também sabe!
—
Mas você é o responsável pelo laboratório. Desculpe-me.
O
médico pegou seu celular e discou para a Direção do internato. Em poucos
minutos chegou o inspetor Santos – um homem negro de trinta anos, conhecido
pela sua severidade e competência.
—
Marques, acompanhe-me.
—
Mas doutor, eu posso explicar! – suplicou o jovem.
—
Explique-se com a Madre Evarista – interrompeu o inspetor – Vamos!
O
inspetor Santos encaminhou o garoto até a sala da Direção, onde a Madre estava
sentada em sua tradicional cadeira, com sua tradicional expressão.
—
Sinceramente, Pietro Marques – a diretora começou a falar, com sua voz séria –
Eu não sei mais o que fazer com você.
Pietro
sentou-se na cadeira e começou a escutar atentamente. Madre Evarista
levantou-se para reclamar.
—
Desde o primeiro momento em que vi sai ficha, quando soube de seu passado,
percebi que não prestava. Entendi que um garoto que conviveu com o crime e a
loucura não poderia ser boa pessoa. Sabia que você poderia usar toda sua
genialidade para cometer delitos. Olhe só, Marques – ela voltou a sentar-se e
sua expressão ficou mais triste – Acredito em Deus, por isso acredito em
segunda chance e perdão. Mas você só me dá motivos para desacreditá-lo. Mexer
com drogas?
Pietro,
estático, fitava a janela. Não disse uma palavra. Não conseguia – seus olhos
começaram a arder e ele sentiu uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
—
Eu... – tentou dizer, sendo abafado pelo choro – Eu...
Ele
começou a chorar desesperadamente. Entre soluços e lágrimas e não conseguia
dizer uma só palavra.
—
Desculpe-me, Pietro – a diretora comoveu-se, tocando sua mão no ombro da
estudante – Não deveria ter falado sobre sua família. Devem ter sido momentos
difíceis. Pode retirar-se ao Quatro do Controle.
—
Não sei o quê pensar, sinceramente. Não vou tirar-lhe nada, mas peço que
recolha-se até o Quarto do Controle. Acho que precisa encontrar-se
espiritualmente. Há muitas perguntas sem respostas.
O
estudante, indignado por dentro, preferiu não falar mais nada e mostrar-se
educado.
—
O que move o mundo são perguntas, madre – Pietro bateu a porta com tal força
que deixou o inspetor Santos assustado. O inspetor que estava no corredor,
esperou o garoto sair para falar com sua superiora.
—
E então? – perguntou ele, querendo saber da situação.
—
Esse garoto me intriga – disse a madre, sem mais palavras.
O
Quarto do Controle situava-se num pavilhão isolado do resto do internato e um
aluno era mandando pra lá quando estava “fora de controle”. Comportamentos ilícitos
e nocivos para a integridade do próprio internato fazia com que um aluno fosse
mandado para o quarto. Sua aparência era sombria e medonha – a pouca iluminação
do local dava um ar aterrorizante.
—
Isso parece mais de louco! – resmungou Pietro ao chegar ao local. As paredes
eram totalmente brancas, cama branca e sem televisão. Possuía um pequeno
banheiro que era cercado por espelho e uma pequena cômoda onde o garoto pôs
suas roupas – Talvez a intenção seja essa.
Já
anoitecera e Pietro decidiu ir ao laboratório iniciar seu projeto e conseguir
algo a respeito do GHB. Após o banho, ele pegou o seu jaleco e encaminhou-se
pelos corredores desertos e escuros. O QC ficava longe de tudo. No meio do
caminho, os alarmes começaram e tocar. O alvoroço tomou o colégio.
—
O que aconteceu aqui? — perguntou Pietro ao Inspetor Santos, que corria em
direção aos dormitórios.
—
Fique onde está, Marques! — gritou o inspetor, enfurecido — Já para o quarto.
Pietro
não obedeceu. Seguiu o inspetor discretamente.
Ao
chegar ao dormitório masculino, o tumulto era notável. Tudo centrava-se quarto
221.
—
Ben! – gritou o garoto correndo em direção à multidão de estudantes aflitos.
Foi quando um policia lhe parou.
—
Proibido a entrada, garoto! – falou o policial, firmemente — Ocorreu um
homicídio e estamos aguardando a perícia finalizar. É o dono do quarto?
—
Sim, meu nome é Pietro Marques. Dividia o quarto com um amigo – respondeu,
aflito – A propósito, qual o nome da vítima?
O
policial olhou o seu bloco de anotações e afirmou categoricamente.
—
Benjamim Santos Alencar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário