—
Não foi só um sonho, Ben! – dialogava Pietro do boxe, enquanto tomava banho –
Sabe quando você sente que precisa mudar? Quando você tem a sensação de que
merece algo?
—
Não, não sei – refutou Ben, que estava sentado na cama, usando o notebook da
dupla.
—
Ah, seu chato! – disse, já saindo do banheiro, com o uniforme em preto e
branco, que contrastava totalmente com o cabelo ruivo de Pietro. – Está
visitando o VidaQuímica.com?
—
Estou. Acabei de ler uma tese sua: A dualidade comportamental humana do ponto
de vista químico – falou Ben, com certo ar de ironia – Você mandou bem, hein?
—
Valeu – agradeceu Pietro, entusiasmado – É tudo uma questão de manipulação de
compostos. Ocitocina, serotonina, alterados em função de uma melhor
personalidade. Trabalharei melhor quando for eleito o monitor de química.
Benjamim
resolveu então ir logo tomar banho. Tinham aula às 07h00min e hoje era dia de
eleição de monitores do internato. Era como um segundo professor e vários
alunos candidatavam-se em suas melhores matérias. No caso da de química o
monitor teria acesso 24 horas ao laboratório. Os dois já estavam prestes a
sair. Porém Ben notou algo de estranho em seu amigo.
—
O que é isso? – olhou espantado para Pietro dos pés a cabeça – Você já
manipulou sua personalidade!
Pietro
mudara completamente o visual. Quanto ao uniforme, que imutável, estava tudo
certo. Era um suéter preto com o emblema do internato e uma calça e sapatos
sociais. O cabelo, ao invés de arrumadinho e penteado para o lado, como sempre,
estava um pouco despenteado, dando um ar desleixado. Também estava sem os
óculos.
—
Como está enxergando?
—
Para com isso Ben, não mudei tanto assim – riu Pietro, abrindo a porta do
quarto – Lembra do prêmio Jovem Químico que ganhei ano passado? Então comprei
um par de lentes de contato com o dinheiro. Vamos indo!
Então
os dois seguiram pelo corredor em direção à sala 02, onde ocorrerão as
eleições. O corredor era imenso e largo. As salas ficaram a cinco minutos dos
dormitórios e o internato possuía uma grande área verde, por onde a dupla e
outros quinhentos alunos passavam todos os dias.
O
clima, como na maioria das vezes, estava nublado. Perto da sala, Ben decidiu
romper o silêncio entre eles:
—
O que foi que você fez mesmo, cara? – perguntou preocupado.
—
Calma, Ben, eu não tomei nada não – disse Pietro, com um sorriso de canto de
boca – O projeto prático nem começou ainda.
—
Então qual a causa disso tudo? – gesticulou o amigo, apontando para o visual
entranho de Pietro – É por causa daquele pesadelo/sonho?
Pietro
parou no meio do pavilhão, sério.
— Promete que não vai contar pra ninguém –
sussurrou, parando Ben e encarando-o nos seus olhos azuis – Nem pra sua
namorada.
—
Fica tranquilo, cara – concordou Ben, meio assustado.
E
Pietro então começou a contar o seu “bonito pesadelo”, parte por parte. Pensou
em omitir os detalhes sobre Vanessa, mas achou melhor não, pois Ben era talvez
o único de sua confiança. Ben ouvia atentamente cada parte, sério, mas no final
do relato ele caiu na gargalhada. Até o próprio Pietro não se aguentou – riu
também.
—
Essa garota vai te deixar louco!
—
No fundo eu acho que já estou... – disse já mudando a expressão – Vamos
andando.
Eles
continuaram seguindo o percurso, mas Ben ainda tinha algo a dizer:
—
Por que não fica com a Laura? – aconselhou, pondo sua mão no ombro do seu
companheiro de quarto – Ela é louca por você e ainda por cima é super sexy!
—
É eu sei – falou Pietro, cabisbaixo – Mas a gente não escolhe de quem gosta e,
além disso, o Edgar é um idiota.
—
A decisão é sua. Mas depois não fique chorando pelos cantos.
—
Ah! Besta!
Enfim
eles chegaram à sala com dois minutos de atraso. Os horários das aulas eram
extremamente rigorosos e todos já estavam na sala, sentados em suas mesas
duplas.
—
Marques e Alencar serão notificados pelos dois minutos de atraso – alertou o
professor Carvalho – Sentem-se, chegaram a tempo do resultado.
A
dupla posicionou-se em seus lugares e escutaram atentamente o resultado. A
grande ansiedade era mesmo entre Edgar e Pietro, que estavam concorrendo ao
cargo de monitor.
—
Edgar e Pietro, venham à frente! – chamou o professor. Ele começou a falar
sobre os feitos dos dois. A disciplina era muito bem valorizada no Santo
Estevão.
Depois
de todo um discurso solene do professor, finalmente foi dado o resultado:
Pietro Marques era enfim o monitor. O tão sonhado cargo deixou Edgar sério, sem
dizer uma palavra. Mas, diante dos trinta alunos, teve que se portar bem.
—
Parabéns Marques – disse, com um sorriso amarelo e apertando a mão de seu
adversário.
—
Obrigado – Pietro foi cumprimentar seus poucos amigos, Ben, Laura, Vanessa,
Zaque e Jéssica (a namorada de Ben). Os brutamontes do grupo de Edgar, Escote e
Roque – ficaram no canto da sala, como se estivessem a tramar algo.
—
Pietro – chamou Laura, que era uma garota de pele morena e cabelos grandes e
castanhos – Você está tão... diferente.
—
Diferente de modo bom ou ruim? – perguntou ele, meio sem jeito.
—
Bom – a garota o olhou de cima para baixo – Muito bom.
—
Vamos comemorar lá no refeitório? – disse Zaque, chegando entre os dois,
deixando Pietro mais sem graça ainda – O professor Carvalho nos liberou.
Precisamos comemorar.
—
Podem ir vocês, eu os acompanho depois.
Todos
saíram da sala menos Vanessa, que estava no canto da sala, com a expressão
séria e um pouco triste. Estavam a sós naquele imenso lugar e Pietro resolveu
ir falar com ela.
—
Vanessa – falou ele, sentando ao lado dela – Algum problema?
A
garota olhou para os olhos castanhos dele. Sua expressão era tensa, como se
algum de ruim tivesse acontecido
—
Nada. Vá se divertir.
Pietro
logo deduziu que a causa disso tudo era Edgar e ele não queria ver a garota que
ele gostava desse jeito. Furioso, foi procurá-lo para acertar as contas. Mas
quando abriu a porta deu de cara com Edgar.
—
Posso saber o que vocês dois estavam fazendo aqui sozinhos? – perguntou Edgar,
em tom provocador.
—
É com você mesmo que eu queria falar – falou Pietro, quase perdendo a paciência
– Por que tem de tratá-la assim?
—
Assim como?
—
Pare de se fazer de inocente! Fica curtindo com seus amigos e deixando-a de
lado.
Edgar
abusou do cinismo para defender-se.
—
Caso queira saber, ela que me procurou. Além disso, ela que vai perder caso
termine comigo.
—
Idiota!
Pietro
não conseguiu segurar a raiva. Deu um soco no rosto de seu inimigo,
derrubando-o no corredor.
—
Pietro! O que você fez? – Vanessa estava assustada e surpresa.
Ao
contrário do sonho, Edgar levantou e reagiu, fazendo com que os dois começassem
a brigar violentamente. O internato todo apareceu, tornando tudo um grande
alvoroço. A multidão fervilhava a cada golpe, eles rolavam no chão enquanto os
alunos assistiam em massa.
—
Mas Ben e Zaque, dispostos a acabar com a briga, separaram os dois.
—
Para com isso, cara! – gritou Ben, que estava segurando o Pietro – Estou até
sentindo uma sensação de dejavú.
—
Solte-me – gritou também Pietro, tomado pela raiva – Eu vou matar esse cara!
Os
garotos estavam com a roupa rasgada e vários hematomas.
—
Pietro Marques – chamou a madre Evarista, que acabara de chegar – Na minha sala
agora!
—
Mas madre! Foi esse...
—
Agora!
E
o jovem junto com a madre Evarista e o inspetor Santos encaminharam-se até a
sala da diretoria. Era uma sala espaçosa, com uma arquitetura bastante
renascentista. Após sentarem, a madre deu início às perguntas?
—
Que cena foi aquela? - disse,
mostrando-se mais calma possível – Qual a causa dessa selvageria?
E
após uma longa conversa Madre Evarista resolveu não dar suspensão – só uma
advertência, por sua causa ser bem intencionada.
—
Mas que fique claro que as coisas não se resolvem dessa maneira. Mesmo que você
goste dessa garota.
Ele
concordou e saiu da sala, bastante pensativo. O seu dia não foi exatamente
igual ao seu “bonito pesadelo”, mas foi produtivo, apesar dos imprevistos. Fora
eleito o monitor de química e brigou com Edgar por Vanessa e isso o deixou
estranhamente feliz.
À
noite, Pietro estava acessando a internet do seu notebook e notou algo incomum
– Ben ainda não acordara, que dormira desde quando ele tinha chegada no quarto
pela tarde.
—
Ben, acorda! – chamou o amigo, preocupado. Ben nem se mexeu. Pietro tomou o seu
pulso – estava quase imperceptível. Sua pele ficara mais branca que o normal. A
única reação que teve foi ligar para a enfermaria. Quando levaram Ben, Pietro
percebeu que havia um bilhete anônimo debaixo do travesseiro do amigo, com uma
caligrafia diferente. Estava solitário no quarto, por isso leu em voz alta: “OS
SANTOS PAGAM PELOS PECADORES”.
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