Contos Embaralhados

terça-feira, 20 de setembro de 2011

♠ O Odiado - Os Dias de Cachorro Acabaram (Capítulo 2)



 — Não foi só um sonho, Ben! – dialogava Pietro do boxe, enquanto tomava banho – Sabe quando você sente que precisa mudar? Quando você tem a sensação de que merece algo?
— Não, não sei – refutou Ben, que estava sentado na cama, usando o notebook da dupla.
— Ah, seu chato! – disse, já saindo do banheiro, com o uniforme em preto e branco, que contrastava totalmente com o cabelo ruivo de Pietro. – Está visitando o VidaQuímica.com?

— Estou. Acabei de ler uma tese sua: A dualidade comportamental humana do ponto de vista químico – falou Ben, com certo ar de ironia – Você mandou bem, hein?
— Valeu – agradeceu Pietro, entusiasmado – É tudo uma questão de manipulação de compostos. Ocitocina, serotonina, alterados em função de uma melhor personalidade. Trabalharei melhor quando for eleito o monitor de química.
Benjamim resolveu então ir logo tomar banho. Tinham aula às 07h00min e hoje era dia de eleição de monitores do internato. Era como um segundo professor e vários alunos candidatavam-se em suas melhores matérias. No caso da de química o monitor teria acesso 24 horas ao laboratório. Os dois já estavam prestes a sair. Porém Ben notou algo de estranho em seu amigo.
— O que é isso? – olhou espantado para Pietro dos pés a cabeça – Você já manipulou sua personalidade!
Pietro mudara completamente o visual. Quanto ao uniforme, que imutável, estava tudo certo. Era um suéter preto com o emblema do internato e uma calça e sapatos sociais. O cabelo, ao invés de arrumadinho e penteado para o lado, como sempre, estava um pouco despenteado, dando um ar desleixado. Também estava sem os óculos.
— Como está enxergando?
— Para com isso Ben, não mudei tanto assim – riu Pietro, abrindo a porta do quarto – Lembra do prêmio Jovem Químico que ganhei ano passado? Então comprei um par de lentes de contato com o dinheiro. Vamos indo!
Então os dois seguiram pelo corredor em direção à sala 02, onde ocorrerão as eleições. O corredor era imenso e largo. As salas ficaram a cinco minutos dos dormitórios e o internato possuía uma grande área verde, por onde a dupla e outros quinhentos alunos passavam todos os dias.
O clima, como na maioria das vezes, estava nublado. Perto da sala, Ben decidiu romper o silêncio entre eles:
— O que foi que você fez mesmo, cara? – perguntou preocupado.
— Calma, Ben, eu não tomei nada não – disse Pietro, com um sorriso de canto de boca – O projeto prático nem começou ainda.
— Então qual a causa disso tudo? – gesticulou o amigo, apontando para o visual entranho de Pietro – É por causa daquele pesadelo/sonho?
Pietro parou no meio do pavilhão, sério.
 — Promete que não vai contar pra ninguém – sussurrou, parando Ben e encarando-o nos seus olhos azuis – Nem pra sua namorada.
— Fica tranquilo, cara – concordou Ben, meio assustado.
E Pietro então começou a contar o seu “bonito pesadelo”, parte por parte. Pensou em omitir os detalhes sobre Vanessa, mas achou melhor não, pois Ben era talvez o único de sua confiança. Ben ouvia atentamente cada parte, sério, mas no final do relato ele caiu na gargalhada. Até o próprio Pietro não se aguentou – riu também.
— Essa garota vai te deixar louco!
— No fundo eu acho que já estou... – disse já mudando a expressão – Vamos andando.
Eles continuaram seguindo o percurso, mas Ben ainda tinha algo a dizer:
— Por que não fica com a Laura? – aconselhou, pondo sua mão no ombro do seu companheiro de quarto – Ela é louca por você e ainda por cima é super sexy!
— É eu sei – falou Pietro, cabisbaixo – Mas a gente não escolhe de quem gosta e, além disso, o Edgar é um idiota.
— A decisão é sua. Mas depois não fique chorando pelos cantos.
— Ah! Besta!
Enfim eles chegaram à sala com dois minutos de atraso. Os horários das aulas eram extremamente rigorosos e todos já estavam na sala, sentados em suas mesas duplas.
— Marques e Alencar serão notificados pelos dois minutos de atraso – alertou o professor Carvalho – Sentem-se, chegaram a tempo do resultado.
A dupla posicionou-se em seus lugares e escutaram atentamente o resultado. A grande ansiedade era mesmo entre Edgar e Pietro, que estavam concorrendo ao cargo de monitor.
— Edgar e Pietro, venham à frente! – chamou o professor. Ele começou a falar sobre os feitos dos dois. A disciplina era muito bem valorizada no Santo Estevão.
Depois de todo um discurso solene do professor, finalmente foi dado o resultado: Pietro Marques era enfim o monitor. O tão sonhado cargo deixou Edgar sério, sem dizer uma palavra. Mas, diante dos trinta alunos, teve que se portar bem.
— Parabéns Marques – disse, com um sorriso amarelo e apertando a mão de seu adversário.
— Obrigado – Pietro foi cumprimentar seus poucos amigos, Ben, Laura, Vanessa, Zaque e Jéssica (a namorada de Ben). Os brutamontes do grupo de Edgar, Escote e Roque – ficaram no canto da sala, como se estivessem a tramar algo.
— Pietro – chamou Laura, que era uma garota de pele morena e cabelos grandes e castanhos – Você está tão... diferente.
— Diferente de modo bom ou ruim? – perguntou ele, meio sem jeito.
— Bom – a garota o olhou de cima para baixo – Muito bom.
— Vamos comemorar lá no refeitório? – disse Zaque, chegando entre os dois, deixando Pietro mais sem graça ainda – O professor Carvalho nos liberou. Precisamos comemorar.
— Podem ir vocês, eu os acompanho depois.
Todos saíram da sala menos Vanessa, que estava no canto da sala, com a expressão séria e um pouco triste. Estavam a sós naquele imenso lugar e Pietro resolveu ir falar com ela.
— Vanessa – falou ele, sentando ao lado dela – Algum problema?
A garota olhou para os olhos castanhos dele. Sua expressão era tensa, como se algum de ruim tivesse acontecido
— Nada. Vá se divertir.
Pietro logo deduziu que a causa disso tudo era Edgar e ele não queria ver a garota que ele gostava desse jeito. Furioso, foi procurá-lo para acertar as contas. Mas quando abriu a porta deu de cara com Edgar.
— Posso saber o que vocês dois estavam fazendo aqui sozinhos? – perguntou Edgar, em tom provocador.
— É com você mesmo que eu queria falar – falou Pietro, quase perdendo a paciência – Por que tem de tratá-la assim?
— Assim como?
— Pare de se fazer de inocente! Fica curtindo com seus amigos e deixando-a de lado.
Edgar abusou do cinismo para defender-se.
— Caso queira saber, ela que me procurou. Além disso, ela que vai perder caso termine comigo.
— Idiota!
Pietro não conseguiu segurar a raiva. Deu um soco no rosto de seu inimigo, derrubando-o no corredor.
— Pietro! O que você fez? – Vanessa estava assustada e surpresa.
Ao contrário do sonho, Edgar levantou e reagiu, fazendo com que os dois começassem a brigar violentamente. O internato todo apareceu, tornando tudo um grande alvoroço. A multidão fervilhava a cada golpe, eles rolavam no chão enquanto os alunos assistiam em massa.
— Mas Ben e Zaque, dispostos a acabar com a briga, separaram os dois.
— Para com isso, cara! – gritou Ben, que estava segurando o Pietro – Estou até sentindo uma sensação de dejavú.
— Solte-me – gritou também Pietro, tomado pela raiva – Eu vou matar esse cara!
Os garotos estavam com a roupa rasgada e vários hematomas.
— Pietro Marques – chamou a madre Evarista, que acabara de chegar – Na minha sala agora!
— Mas madre! Foi esse...
— Agora!
E o jovem junto com a madre Evarista e o inspetor Santos encaminharam-se até a sala da diretoria. Era uma sala espaçosa, com uma arquitetura bastante renascentista. Após sentarem, a madre deu início às perguntas?
— Que cena foi aquela?  - disse, mostrando-se mais calma possível – Qual a causa dessa selvageria?
E após uma longa conversa Madre Evarista resolveu não dar suspensão – só uma advertência, por sua causa ser bem intencionada.
— Mas que fique claro que as coisas não se resolvem dessa maneira. Mesmo que você goste dessa garota.
Ele concordou e saiu da sala, bastante pensativo. O seu dia não foi exatamente igual ao seu “bonito pesadelo”, mas foi produtivo, apesar dos imprevistos. Fora eleito o monitor de química e brigou com Edgar por Vanessa e isso o deixou estranhamente feliz.
À noite, Pietro estava acessando a internet do seu notebook e notou algo incomum – Ben ainda não acordara, que dormira desde quando ele tinha chegada no quarto pela tarde.
— Ben, acorda! – chamou o amigo, preocupado. Ben nem se mexeu. Pietro tomou o seu pulso – estava quase imperceptível. Sua pele ficara mais branca que o normal. A única reação que teve foi ligar para a enfermaria. Quando levaram Ben, Pietro percebeu que havia um bilhete anônimo debaixo do travesseiro do amigo, com uma caligrafia diferente. Estava solitário no quarto, por isso leu em voz alta: “OS SANTOS PAGAM PELOS PECADORES”.

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